quarta-feira, 22 de outubro de 2014

“A CURA DE TUDO ESTÁ NO JEITO DE NARRAR”




Entrevista com Aleilton Fonseca
Por: Érica dos Santos


1- Em algumas de suas obras é possível perceber a realidade de algumas cidades do interior sendo retratadas. O que o levou a ser um escritor de histórias tão próximas do cotidiano baiano?



Resposta: Desde criança sou muito observador e curioso, embora também muito discreto. Sou nascido, vivido e viajado na Bahia. As paisagens, os valores, os fatos, as vivências que registrei em minhas andanças pela vida, nas cidades do interior, ficaram como impressões e inquietações em minha memória. Vi muitas realidades e li muitos textos. Ao me tornar escritor, essas experiências vividas, observadas, lidas e imaginadas se tornaram a matéria-prima de minha escrita literária. Por uma opção pessoal, eu procuro inserir na literatura as paisagens do interior, as personagens simples do povo, com sua cultura, seu imaginário, sua linguagem, sua visão de mundo e seus saberes, a fim de que não ficassem à margem da cultura letrada brasileira.
 
2- Qual o livro mais marcante que já leu até hoje (Poderia citar aqueles que possivelmente o tenha influenciado na trajetória como escritor)?


Resposta: Foram muitos livros marcantes, que direta ou indiretamente me influenciaram na trajetória de escritor. Destaco Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, São Bernardo, de Graciliano Ramos; Os galos da aurora, de Hélio Pólvora; Poesia completa, de Carlos Drummond de Andrade; Mar absoluto, de Cecília Meireles; Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa; Sargento Getúlio, de João Ubaldo; Luanda, Beira, Bahia, de Adonias Filho; Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado; A hora da estrela, de Clarice Lispector. E muitos outros.
3- Quando e por que decidiu ser escritor? Como se dá o seu processo criativo hoje?



Resposta: Aos 18 anos, passei a escrever e publicar contos e poemas nos jornais; decidi fazer o curso de Letras e me dedicar à literatura como profissão, como professor de literatura e escritor.  Aos 21 anos publiquei meu primeiro livro, Movimento de sondagem (poesia). Como todo escritor, sempre me surgem novas ideias, então eu seleciono as ideias viáveis, reflito sobre a forma de desenvolvê-la, faço um plano e começo a escrita. Na escrita, o tema vai se desenvolvendo, o texto vai tomando forma, sempre com muitas mudanças, reescritas e correções. Quando tenho uma primeira versão do texto, peço a alguns amigos escritores para ler, criticar, opinar, sugerir. Depois reflito sobre essas leituras e as opiniões, e vou reescrevendo até considerar que o texto esteja pronto para publicar. É um trabalho longo, que leva tempo e requer muita disciplina de trabalho e exercício de autocrítica.

4- Em alguns contos, da obra O canto de Alvorada, há personagens que retornam ao passado em busca de esclarecer verdades.  Nos contos o ato de narrar surge quando há uma necessidade de falar sobre sua própria experiência. Qual seu posicionamento sobre o poder da narrativa em nossas vidas?



Resposta: “A cura de tudo está no jeito de narrar”, afirma a narradora do meu romance Nhô Guimarães. De fato, a narrativa é uma forma de retomar o passado, através da memória, e submetê-lo de novo à vivência presente para decifrar e entender melhor o passado, tomar conhecimento do presente e mudar o futuro. A narrativa é fundamental em nossa vida, como transmissão das experiências, e como meio de autoconhecimento.  


5- De onde vêm as suas personagens? São inspiradas em pessoas reais ou criadas?



Resposta: As personagens vêm da observação da realidade e são moldadas pela imaginação. Todas as personagens são criadas, ainda que a realidade possa oferecer fatos, situações e informações como matéria-prima da escrita literária.

6 - Como concilia vida de escritor com a de professor universitário?



Resposta: É difícil, mas é possível conciliar as duas atividades afins. Não  separo as duas faces da mesma moeda: sou um escritor que dá aulas, sou um professor que escreve. E me sinto muito bem com esse duplo modo de ser.

7- Qual elemento é mais importante na narrativa para o senhor?  O senhor começa a construção de suas histórias por qual deles? (conflito, personagens, enredo, narrador)



Resposta: O elemento mais importante é o tema, que se desdobra no enredo e determina a perspectiva do narrador e a configuração das personagens.

8- Dentre as suas obras, qual personagem é o seu “preferido”? Por quê? Tem algum significado especial?



Resposta: Todas as obras são preferidas, por razões diversas, com maior ou menor grau, em situações específicas. Destaco o livro de contos “O desterro dos mortos” (2001) que reflete uma escrita, na qual eu procurava responder e entender várias questões que me incomodavam, em torno da questão da morte e das relações pessoais e das trocas afetivas. O pêndulo de Euclides (2009) é um romance que responde algumas questões que me incomodavam desde a adolescência. E o livro de poemas As formas do barro (2006) reúne minhas percepções líricas de várias situações e experiências de vida.
9- Seu gosto pela leitura começou desde cedo? Como ocorreram seus primeiros contato com a literatura? 


Resposta: Logo após ser alfabetizado, aos 8 anos descobri meu gosto pela leitura, sempre curioso com as histórias e impressionado com as palavras. Meus primeiros contatos com a leitura se deram em casa e na escola, onde havia uma pequena biblioteca, à qual eu tomava livros emprestados e os devorava no mesmo dia.

10- Quais são seus autores de referência e admiração?  Poderia indicar possíveis influências em suas produções, especialmente na obra O canto de Alvorada.


Resposta: São muitos autores, como Victor Hugo, Baudelaire, Poe, Kafka, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Fernando Pessoa, José Lins do Rego, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Hélio Pólvora, Jorge Amado, Adonias Filho, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Drummond, Clarice Lispector. E muitos outros. Todos os autores lidos são referências, e, especialmente em O canto de Alvorada, creio que as leituras de Guimarães Rosa, Hélio Pólvora e Graciliano Ramos são marcantes nos enredos e nos modos narrativos.

11- É perceptível na obra O canto de Alvorada contos envolvendo animais, o que esta preferência poderia indicar acerca do seu processo de escrita? 


Resposta: É comum aparecerem animais nos enredos literários. Nos meus contos eles parecem como seres mediadores de trocas afetivas entre personagens, revelando os meandros e a complexidade das relações interpessoais.

12- No prefácio do livro O canto de Alvorada, Aramis Ribeiro Costa diz que a morte é o seu tema preferido, qual a razão da escolha por este tema?


 Resposta: A morte é um tema muito presente nos contos, mas de modo contingente, pois no fundo o tema é a vida com suas ciladas, epifanias, circunstâncias e complexidades.


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