domingo, 5 de maio de 2013

O Arlequim da Pauliceia – leituras e comentários


O Arlequim da Pauliceia – Imagens de São Paulo na Poesia de Mário de Andrade: passeio por uma cidade de sonhos. - Divulgação

A Pauliceia de Mário de Andrade, vista de um bonde poético.

Por: Renato Pompeu

Foi preciso significativamente um baiano, o poeta, ficcionista, ensaísta e professor universitário Aleilton Fonseca, para produzir um dos livros que mais consagram a paulistanidade, elevando-a a categoria cultural universal, lembrando o dito do grande escritor russo Lev Tolstoi, “Canta a tua aldeia e serás universal”. Trata-se de O Arlequim da Pauliceia – Imagens de São Paulo na Poesia de Mário de Andrade, obra lançada pela Geração Editorial e pela UEFS Editora.
Sedução é fascínio, é isso que sentimos por isso que se apresenta como uma viagem de bonde pela São Paulo da primeira metade do século XX, numa trama em que Fonseca reuniu todos os seus talentos – a poesia, a ficção, a ensaística e a pesquisa erudita – para narrar uma expedição pelos lugares ícones da cidade, entremeada de trechos de poemas do grande escritor e poeta que se considerava mais paulistano do que paulista ou brasileiro, e por fotos da época, referentes aos lugares que Fonseca descreve e Mário de Andrade canta.
Navegamos por uma cidade de sonhos, no tempo em que São Paulo era uma cidade cheia da arte de viver, com ruas e vales repletos de prédios encantadoramente europeus dos fins do século XIX, um ambiente neoclássico vagamente ítalo-francês, povoado também por exuberâncias verdejantes de árvores, arbustos e relvados plenamente tropicais que se combinavam belamente com os tons predominantemente ocres e pratas do Teatro Municipal e da Catedral Metropolitana.
Tudo isso vagamente embaçado pela autêntica garoa – a umidade então permanentemente emanada da Mata Atlântica que, por sobre a Serra do Mar, flanqueava a cidade. Hoje pouco resta da Mata Atlântica nos arredores da cidade e praticamente nada resta da verdadeira garoa, nome hoje reservado ao que antigamente se chamava de chuvisco, como se a cidade precisasse se apegar a um passado que não existe mais, a não ser na imaginação e no coração.
Naquela época, as avenidas de fundo de vale eram realmente dignas de seu nome: fitas de prata, como na foto que ilustra o Ponto de Partida da viagem fantástica de bonde, entre morros de floresta virgem. Sobreposto à imagem de uma moderna avenida povoada por velozes carros e possantes caminhões, as ilhas que a dividem ao meio  encantadoramente ornamentadas de árvores enfileiradas, enquanto sobre ela se debruçam massas da Mata Atlântica, o texto do Arlequim da Pauliceia proclama: “Meu pensamento é tal e qual São Paulo, é histórico e completo. É presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro”.
Nessas duas páginas de um livro de 300 páginas, estão concentradas, como se observássemos pela lâmina de um microscópio eletrônico a constituição de um inteiro ser vivo, todas as virtudes e belezas do livro de Fonseca. A obra é de uma complexidade ímpar. 
Trata-se de uma composição composta de composições que se referem umas às outras. Cada texto de Fonseca é refletido em cada imagem, que por sua vez é refletida em cada trecho de Mário de Andrade, o qual por sua vez é refletido no texto de Fonseca.
A complexidade das referências que se entrecruzam, seja sobre o modernismo sublimado do Prédio Martinelli, seja sobre o urbanismo algo barroco do verdejante Vale do Anhangabaú da época, é digna não só da imagem caleidoscópica do traje recortado em losangos multicoloridos do secular Arlequim, como também do traço mais particular do melhor modernismo, em que, como no romance Ulisses do irlandês James Joyce, ou na cidade de São Paulo tanto da época como na de hoje, não só o todo é maior do que as partes, como igualmente cada parte é, literalmente, maior do que o todo.
E assim chegamos à essência do livro de Fonseca: como reunião de uma totalidade composta de fragmentos, em que cada pequena parte brilha como um universo próprio, como universo que reúne múltiplos universos autorreferentes, tanto textuais como visuais e poéticos, o livro acaba sendo um arlequinesco poema mais do que modernista.
Disponível em:Diário do comércio


Memória Paulistana 
Livro presta homenagem aos 120 anos de Mário de Andrade
Obra estuda a influência da cidade na produção do criador de grandes obras da literatura nacional

por Maurício Xavier 
 


Disponível em:Veja-SP


Passeando em Sampa com Mário de Andrade
Um olhar apaixonado sobre uma obra apaixonada. O resultado são estas milhares de linhas/trilhos que conduzem o leitor aos bondes da São Paulo da garoa, aos lampiões a gás, levando-o a acompanhar sensorialmente a construção do Teatro Municipal, da Catedral da Sé, do Edifício Martinelli, ao lado de transeuntes de terno, gravata e chapéu no centro velho da cidade; mulheres à la française, à sombra dos primeiros arranha-céus, ouvindo os ruídos dos primeiros automóveis importados e o gemido cada vez mais rumoroso de uma Pauliceia que engatava marchas em direção a uma loucura que se desenhava e se redesenha até hoje. O que diria Mario de Andrade se visse a São Paulo atual do alto do Pico do Jaraguá, onde pedira, em testamento poético,  que os seus olhos fossem sepultados?
Aleilton Fonseca disseca a obra e a alma do famoso escritor, acrescentando pontos de vistas surpreendentes. Se você nunca leu Mário de Andrade ficará com vontade de ler. E se já leu fará uma nova leitura, uma redescoberta. De maneira elegante, Aleilton se coloca em segundo plano para elevar Mário de Andrade à altura que ele merece. Os dois se merecem e se incorporam na busca de compartilhar o sentimento e a poesia com seus semelhantes. Mário, frisa o autor, “procurava incorporar-se ao coletivo, como forma de destruir em si o egoísmo das distinções particulares, despojando-se dos valores que o tornam um indivíduo só e solitário”.
Aleilton nos oferece uma prosa poética, juntando fotos antigas da cidade a excertos da obra do modernista. Uma das fotografias mostra passageiros sentados de costas num bonde, talvez o mesmo em que Mário um dia se sentira sozinho ao escrever: “O bonde está cheio/De novo porém/Não sou mais ninguém”. Ao exprimir a cidade em versos, o poeta modernista procurou “domá-la, pô-la nas rédeas da linguagem, de novo humanizá-la, tornando-a inteligível, transparente ao sentimento humano”, acentua o autor, acrescentando que as críticas e os elogios do poeta a São Paulo são puros atos de amor.
Pegue o bonde, então, caro leitor, e vai conversando com Aleilton Fonseca e Mário de Andrade. Não se assuste se você vir passar um veloz Metrô ao largo. Compare as duas metrópoles, mas volte para o presente. Pode doer. Volte devagarinho.
 Jaime Pereira da Silva (Jornalista)

Poemas para comemorar o aniversário de SP


 Por Edison veiga
Um passeio pela São Paulo das primeiras décadas do século 20. O recém-lançado livro O Arlequim da Pauliceia, de Aleilton Fonseca (Geração Editorial, 296 páginas, R$ 29,90), mostra o amor que nutria pela capital paulista o poeta, romancista, musicólogo, historiador, crítico de arte e fotógrafo Mário de Andrade (1893-1945) – este multifacetado modernista, um dos mais conhecidos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922.
O livro proporciona ao leitor um verdadeiro passeio com o modernista Mário de Andrade – de bonde, sob a garoa ou nas noites frouxamente iluminadas por lampiões. Entre poemas e relatos, é possível acompanhar a construção de marcos paulistanos, como o Teatro Municipal, a Catedral da Sé e o Edifício Martinelli. Costumes, hábitos e estilos da época também são destacados – tanto nos homens de terno, gravata e chapéu quanto nas mulheres vestidas como elegantes francesas.
A atmosfera é completada com as descrições dos primeiros automóveis importados e o deslumbramento diante dos grandes prédios que começavam a tomar conta da paisagem do centro da cidade.

Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, coluna ‘Paulistices’, dia 21 de janeiro de 2013.
Disponível em:blog do Estadão


O Arlequim da Pauliceia – Imagens de São Paulo na poesia de Mário de Andrade



O Arlequim da Pauliceia – Imagens de São Paulo na poesia de Mário de Andrade
Autor: Aleilton Fonseca
Gênero: Poesia
Acabamento: Brochura
Formato: 18,5 x 23 cm
Págs: 296
Peso: 605g
ISBN: 9788581300993
Preço: 29,90
Editora: Geração

Sinopse:

Esqueça a pressa. Pegue o bonde e viaje lentamente pela São Paulo do início do século passado em companhia de Mário de Andrade e de fragmentos de sua poesia. Este livro, de autoria de Aleilton Fonseca, é um túnel do tempo, um passeio pelo centro velho de Sampa, lembrando, de certa forma, o filme Meia noite em Paris, em que Woody Allen promove o encontro do protagonista com grandes escritores e pintores da belle époque.
Textos e fotos se encaixam com perfeição para nos fazer voltar ao passado, mergulhando-nos na obra do modernista, que amou São Paulo como ninguém. Vista uma capa para se proteger da garoa que caía insistentemente sobre a cidade, tornando-a londrina e melancólica. E sinta como Mário de Andrade amou a maior megalópole do Brasil. Boa viagem. Você está em ótima companhia. “Prazer em conhecê-lo, meu caro Aleilton”, diria o modernista.

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Viaje de bonde com Mário de Andrade

Este passeio poético pelo centro velho de Sampa lembra, grosso modo, o filme Meia noite em Paris, em que Woody Allen promove o encontro do protagonista com grandes escritores e pintores da belle époque. Só que o encontro é “apenas” com Mário de Andrade, que vale por muitos.
Em O arlequim da Pauliceia, Aleilton Fonseca destaca o amor de Mário de Andrade por São Paulo, ao mesmo tempo em que descobre novos sentidos em sua obra, mesclando excertos dela e fotografias das primeiras décadas do século 20. O resultado primoroso nos conduz a uma viagem nostálgica e poética.
Sensorialmente, o leitor terá o prazer de andar de bonde, molhar-se na São Paulo da garoa, iluminar-se à luz dos lampiões a gás, acompanhar a construção do Teatro Municipal, da Catedral da Sé, do Edifício Martinelli, ver simples transeuntes de terno, gravata e chapéu no centro velho da cidade, mulheres vestidas à la française, à sombra dos primeiros arranha-céus, ouvindo os ruídos dos primeiros automóveis importados e o burburinho cada vez mais rumoroso de uma Pauliceia que engatava marchas em direção a uma loucura que se desenhava e se redesenha até hoje.
Se você nunca leu Mário de Andrade esta obra vai despertar o seu desejo. E se já leu vai ter uma nova leitura, uma redescoberta. Aleilton se coloca elegante e humildemente em segundo plano para elevar Mário de Andrade à altura que ele merece. Os dois se merecem e se incorporam na busca de compartilhar o sentimento e a poesia com os seus semelhantes.
“Ao tematizar a cidade de São Paulo, Mário de Andrade produz, sobretudo, uma poética do olhar. A atitude de contemplação da paisagem urbana é um dos traços mais fortes de toda a sua obra”, destaca o autor. Segundo ele, o modernista pregava uma poesia que exprimisse os sentimentos unânimes do homem diante da agitada vida urbana. Exprimir a cidade em versos significava, para o poeta, domá-la, pô-la nas rédeas da linguagem, de novo humanizá-la, tornando-a inteligível, transparente ao sentimento humano, explica Fonseca.
O leitor está em ótima companhia. Desacelere e volte ao início do século passado. Depois volte devagarinho, para não se assustar com a cidade atual diante de si. Mário de Andrade já previa esta explosão e este caos, pero sin perder la ternura.  

Entrevista com o autor

1. Quando começou a escrever? Qual foi o seu primeiro livro publicado?
Comecei a escrever poesia e ficção aos 17 anos, quando ainda morava em Ilhéus, cidade da Gabriela de Jorge Amado. Publicava nos jornais de Ilhéus e de Salvador. Em 1981, já em Salvador, lancei meu primeiro livro de poesia. Resolvi fazer o curso Letras, a fim de me tornar professor de literatura e tentar construir a carreira de escritor. Deu certo. Fiz graduação na UFBA, mestrado na UFPB e concluí o doutorado na Universidade de São Paulo em 1997, com uma tese sobre Mário de Andrade. Sou professor universitário há 28 anos. Tornei-me escritor, tenho cerca de 20 livros já publicados, em poesia, conto, romance e ensaio.
2. O que te motivou a escrever o Arlequim da Pauliceia? Quanto tempo levou para escrever o livro?
O que me motivou a escrever o livro foi o meu espanto e o meu encantamento com a cidade de São Paulo. Visitei a cidade, pela primeira vez, em outubro de 1992. Fiquei chocado. Morei em São Paulo de março de 1993 a dezembro de 1995. Foi uma experiência extraordinária. Eu cheguei com um projeto de estudo, sobre música e ficção, mas mudei. Resolvi estudar as imagens de São Paulo na poesia de Mário de Andrade. Escrevi a tese em três anos. Defendi e deixei na gaveta. Anos mais tarde, resolvi extrair da tese a parte em que faço um ensaio interpretativo da poesia de Mário, destacando as imagens que ele traduz da cidade de seu tempo, de Pauliceia desvairada (1922) a Lira paulistana (1945). Uma viagem surpreendente através da cidade amada pelo poeta.
3. De onde vem o amor por São Paulo? Quando começou a pesquisar sobre a cidade?
Comecei a pesquisar sobre a cidade em 1993, quando iniciei o projeto da tese/ livro. O meu amor e a minha admiração por São Paulo eu os adquiri de duas maneiras:  a primeira, pelo choque, ao me deparar com a metrópole em 1993, vivendo nela suas misérias e grandezas durante 3 anos;  a segunda, foi através da poesia de Mário de Andrade. São Paulo é pura comoção, na poesia de Mário e em meu olhar de espanto. Sempre volto a São Paulo e me admiro com sua grandeza. Essa cidade imensa me comove, me anula como indivíduo, e me eleva como ser; me esmaga com sua engrenagem e me orgulha com sua magnitude. Amedronta-me e me encanta.
4. Qual foi a sua impressão da cidade em relação à relatada no seu livro?
Morei na Vila Sônia, na Rua Heitor dos Prazeres, durante 3 anos, de 1993 a 1995. Assisti às mudanças políticas da época, no início do plano real, à escalada da violência, a constante expansão urbana. Enfrentei uma enchente do Tietê/Pinheiros, fui assaltado, tive a casa arrombada e furtada. Também vi espetáculos maravilhosos de arte, teatro e literatura, exposições incríveis de artes, visitei os museus, vivi intensamente o clima da USP, fiz passeios, conheci gente de expressão e ideias. Como diz Mário, num poema da Lira paulistana: “tudo se passou em São Paulo!”.  Sempre me impressionou a constante transformação visual da cidade. Eu lia isso em Mário e fazia comparações. Por exemplo, comparava o que via no atual Vale do Anhangabaú com as fotos do passado, e me perguntava: como foi possível transformar aquele local idílico num deserto de cimento e asfalto? Na lógica da cidade tudo é possível. Faz 5 anos voltei à Rua Heitor dos Prazeres, e me espantei com o novo quadro. O lado direito da rua desapareceu completamente: casas, jardins, quintais, marcas…  para dar lugar ao muro da garagem do metrô, em Vila Sônia. Várias famílias que ali moravam, e com as quais eu e meus filhos fizemos amizade e tivemos convivência…nem vestígio deles nem de suas casas. Eu revia a rua original em minha memória. Uma sensação incrível. Eis a metrópole viva, revolvendo as próprias entranhas, recompondo seu tecido, seu corpo, seu espírito. As pessoas são apenas detalhes.
5. Por que escolheu esse título para o livro?
O título do livro é uma descoberta recente. Ao resolver publicar o ensaio, descobri que o título devia ser centrado na figura de Mário de Andrade, a partir da condição que ele assume como cantor, trovador e domador da cidade. O arlequim é uma alegoria da condição que o poeta Mário de Andrade assume para representar – no palco da poesia – a sua cidade amada. Sua poesia é um drama, um canto doído de amor a São Paulo.
6. De que forma São Paulo influenciou a poesia de Mário de Andrade, na sua opinião? Total e visceralmente. Mário dizia que era um poeta paulistano, e não paulista nem brasileiro, tal era sua devoção lírica à cidade. Ele a considerava sua “noiva”, e sua poesia era o filho dessa união problemática. Toda a sua obra poética atravessa a cidade, desde Pauliceia desvairada até Lira paulistana, desde o poema inicial, no qual a cidade e sua “Inspiração”, até o canto de despedida “A meditação sobre o Tietê”. É uma relação completa, singular, sofrida e admirável.
7. Esse livro propõe uma longa e deliciosa viagem pela São Paulo do início do século passado em companhia de Mário de Andrade e de fragmentos de sua poesia. O que o leitor irá encontrar nessa viagem ao túnel do tempo?
O leitor poderá passear com os olhos por ruas, cruzamentos, esquinas e praças através de várias fotos antigas que trazem de volta as imagens que a memória coletiva já perdeu. E o leitor trilhará por passagens cruciais de uma poesia de amor a São Paulo, uma espécie de roteiro sentimental de uma cidade em marcha para se transformar na metrópole de hoje, com suas grandezas e misérias. O poeta Mário de Andrade tem uma visão amorosa, mas também muito crítica acerca da cidade. Ao final, vivido e experiente, ele abandona a comoção de louvor à São Paulo e tenta corrigir os seus rumos, mas ninguém o escuta, pois estão todos surdos com a marcha voraz da máquina urbana. O poeta, conclui seu canto de despedida, ”A meditação”, entregando-se simbolicamente às águas escuras do rio Tietê. E morre alguns dias depois, em 25 de fevereiro de 1945.

Disponível em: Geração editorial